De informais a MEIs, trabalhando para sobreviver
- spjjorufsc
- 1 de abr. de 2023
- 4 min de leitura
Nas ruas de Florianópolis, trabalhadores ambulantes relatam a falta de direitos, jornada de até 12 horas diárias e incerteza com a fiscalização da prefeitura
[Ana Maria Kuntze, Vinícius Graton, William Canan]

Todos os dias, Márcio passa oito horas em pé, sob a ação do clima para vender seus produtos. | Foto: William Canan
“Agulha pra fogão a gás”, anuncia Márcio, na rua Conselheiro Mafra, no centro de Florianópolis. Ele faz o mesmo trabalho há mais de 20 anos: vender isqueiros, pilhas e agulhas para fogão. “Todo dia preciso trabalhar pra sobreviver”, relata Márcio, sob o sol e o calor de 30℃ daquela quarta-feira, dia 12 de abril. Ele trabalha de segunda à sexta, das 9h às 17h, e aos sábados, das 8h às 13h. Cada dia de vendas faz a diferença nas contas do mês. Em nenhum momento pode parar, conta ele, porque é deste dia-a-dia que vem o seu sustento.
Márcio veio do Rio Grande do Sul em 2002, para morar perto dos filhos, que hoje já são adultos e casados. Desde antes da mudança, já era vendedor ambulante, e hoje é um dos mais antigos da cidade. Durante anos, ele trabalhou na informalidade, situação que atingiu 25,9% dos quase 4 milhões de trabalhadores em Santa Catarina, ou seja, 1 milhão de pessoas, no terceiro trimestre de 2022, conforme a taxa de informalidade divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como informal, Márcio não tinha qualquer direito trabalhista, como, por exemplo, sua aposentadoria. A solução encontrada por ele, assim como outros trabalhadores que estavam na informalidade, foi o registro como Microempreendedor Individual (MEI), que garante alguns direitos básicos, como o de se aposentar. Ele não tem outros direitos, como as férias. Como ele mesmo diz, se deixar de trabalhar um dia sequer, fica sem comer .
A vida de trabalhador ambulante e sem direitos assegurados, que Márcio leva há mais de 20 anos, outros começaram recentemente, após o início da pandemia de Covid-19. Foi o caso de Juan, nome fictício porque o trabalhador pediu para preservar sua identidade. Ele chegou a Florianópolis há dois anos e passou a vender máscaras de tecido no centro da cidade. O imigrante peruano está no Brasil desde 2014, e já trabalhou em São Paulo e no Paraná. Com a diminuição dos casos de Covid-19 e o fim das restrições, precisou encontrar outro produto para vender e continuar se mantendo. Passou a comercializar bonecas e panos de prato artesanais, material que vem de São Paulo, confeccionado por uma tia. A média diária de arrecadação das vendas é de R$ 100,00. O maior fluxo de compradores é no início e final de cada mês. Juan trabalha entre 10 e 12 horas por dia, debaixo de sol e de chuva, como ele próprio relata. Mesmo com esta jornada diária, Juan conta que gosta de trabalhar, algo aprendido em sua família.
A falta de garantia de direitos na labuta diária não é o único ponto em comum entre muitos ambulantes do centro de Florianópolis. Assim como Márcio e Juan, eles são originários de outros estados ou países, em busca de melhores oportunidades de vida, de trabalho ou de viver perto de familiares que já haviam se mudado para a capital catarinense. Os dados do censo de 2010 já apontavam que mais da metade dos moradores de Florianópolis não nasceram na cidade, e cerca de 29,28% sequer em Santa Catarina. O estado também reporta aumento no número de imigrantes estrangeiros nos últimos anos. A estimativa é que entre 2020 e 2021, anos da pandemia de Covid, 23 mil estrangeiros tenham vindo morar em solo catarinense.
Mais obstáculos para os estrangeiros
Além da incerteza trazida pela falta de direitos, a fiscalização da prefeitura de Florianópolis sobre os ambulantes também pesa, porque muitos deles não têm licença para atuar, como a reportagem observou no centro da cidade. Ao serem perguntados se poderiam dar entrevista, ao menos cinco deles responderam que não. Juan já viveu a insegurança de atuar como ambulante sem autorização da prefeitura. Hoje o vendedor peruano tem um alvará que lhe permite trabalhar nas ruas. No entanto, ele não é regulamentado como vendedor ambulante. Juan conta que não obteve o credenciamento por ser estrangeiro. Foi informado de que só poderia consegui-lo após cerca de 15 a 20 anos de trabalho como ambulante no Brasil. Apesar desse obstáculo, ele formalizou o pedido, mas explica que não há previsão de resolução. O protocolo que ele tem da solicitação feita já permite que ele passe pela fiscalização, sem precisar desmontar sua barraquinha e remontar em outro lugar. “Eu estou aqui trabalhando, no meu canto, não estou fazendo nada de errado”, ressalta.
Em Florianópolis, de acordo com a Lei Ordinária N° 2496/86, é permitida a regulamentação do exercício do comércio ambulante, da compra e da venda por conta própria ou através de terceiros em locais de acesso público. A legislação reconhece como ambulante aquele que, pessoalmente, por conta própria e risco, exerce atividade comercial em logradouro público ou de porta em porta. Para o exercício legal da profissão, é necessária a concessão de uma licença expedida pela Secretaria Executiva de Serviços Públicos (SESP), mediante pedido de licenciamento feito em formulário padronizado pela entidade. A abertura das inscrições para alvará acontece sazonalmente com número limitado de vagas, que são preenchidas por sorteio. A última distribuição ocorreu no verão de 2022/23, que para a Prefeitura Municipal se iniciou oficialmente em 15 de novembro de 2022 e foi até 15 de abril. Ao todo foram ofertadas 752 novas vagas distribuídas em 13 modalidades de vendas nas praias, além disso, 598 alvarás da temporada passada foram renovados.
Já no caso de vendedores mais antigos, como Márcio, a fiscalização não é tão rigorosa, segundo ele, porque atuam há muitos anos no local e são conhecidos pelos fiscais. Márcio também relata que os mais antigos costumavam ter a licença para trabalhar como ambulantes. No entanto, a autorização foi retirada pela prefeitura, há alguns anos, após mudanças na legislação, que criaram novas regras para a obtenção. Márcio e outros vendedores optam por seguir sem a licença, alegando que solicitar uma nova seria muito burocrático. Apesar das complicações legais do município, no dia seguinte, eles ainda precisam trabalhar para sobreviver.
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