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Guarda-vidas civil: o trabalho intenso de uma categoria invisibilizada

  • Foto do escritor: spjjorufsc
    spjjorufsc
  • 2 de abr. de 2023
  • 5 min de leitura

Voluntários, esse profissionais arriscam suas vidas para salvar outras, sem reconhecimento do Estado


[Beatriz Figueiredo, Maria Isabel Miranda e Nathaly Bittencourt]



Praia da Joaquina | Foto: Maria Isabel Miranda


"São pessoas que estão ali além da farda e do dinheiro", afirma o guarda-vidas civil do sul da Ilha de Santa Catarina. Dados do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC) mostram que a Operação Veraneio 2022/2023 foi encerrada com nenhuma morte por afogamento em praias monitoradas pelo serviço em Florianópolis. De acordo com a Associação de Praças do Estado de Santa Catarina (APRASC), a temporada catarinense contou com a participação de 1.991 guarda-vidas civis e 235 militares. Apesar do sucesso da operação, os trabalhadores voluntários – sem patentes e recrutados a cada ano – relatam infraestrutura muitas vezes precária e jornada extenuante para realizar esse trabalho essencial.

Segundo o Ministério da Saúde, o afogamento é uma das principais causas de morte para crianças e jovens de até 24 anos no mundo. Todos os anos, cerca de 236 mil pessoas morrem afogadas. Assim, a valorização e reconhecimento do serviço do guarda-vidas civil deve ser compreendido como uma questão de saúde pública. “Se não tem orçamento, não tem guarda-vidas e, sem isso, há óbito”, diz o civil que preferiu não se identificar.

Para atuar como guarda-vidas civil, é necessário fazer um curso de treinamento de um mês, que conta com provas físicas e teóricas. Uma vez aprovado, o indivíduo assina um Termo de Adesão ao Serviço Voluntário de Salvamento Aquático. Nessa condição, esses prestadores de serviço não têm direitos trabalhistas e seu pagamento é considerado uma ajuda de custo. Emílio Freire, presidente da Associação de Salvamento Aquático (ASAF), argumenta que isso é um barateamento da mão-de-obra dos guarda-vidas. A carga horária não possibilita a conciliação do voluntariado com um trabalho formal, logo eles dependem das diárias para arcar com seus gastos mensais. Além disso, são subordinados à hierarquia militar e suas normas de conduta, mas não gozam dos mesmos direitos e benefícios de um profissional com patentes. "Se respondemos como militares, deveríamos receber igual a eles", afirma Diego Engracía Dias, ex-guarda-vidas civil.

A guarda-vidas civil que optou por se identificar apenas como Ana reforça essa diferença de reconhecimento. Ela conta que seu colega realizou um resgate difícil que colocou sua vida em risco na Praia da Joaquina. “Se é um militar que faz um resgate desses, será promovido pelo ato de bravura. A gente ganha um parabéns”.


Sem equipamentos


Os recém-formados no curso chegam à praia empolgados com a possibilidade de exercer a nobre função de preservar a vida humana. No entanto, muitas vezes, encontram postos sucateados, sem banheiro, energia, água ou com equipamentos inadequados, como protetores solares vencidos.

O major Marcelo Della Giustina da Silva, do 10° Batalhão do Corpo de Bombeiros de Santa Catarina, afirma que todos os materiais básicos para o exercício da função, como nadadeiras, apitos e uniformes para o frio, são fornecidos aos voluntários pelo Corpo de Bombeiros. Os que exerceram a função, entretanto, relatam que tiveram que investir pessoalmente em parte do material para o serviço e contavam com a ajuda de guarda-vidas civis que atuaram em outras temporadas para repassar uniformes, por exemplo. “Só fui receber agasalho de inverno na segunda temporada. A galera troca ideia, se ajuda e passa uniforme adiante”, diz a guarda-vidas Ana.

Praia da Joaquina | Foto: Maria Isabel Miranda


Nas entrevistas feitas com diversos guarda-vidas, eles se mostraram receosos com a exposição de suas identidades e preferiram não ter seus nomes publicados. Todos justificaram a decisão com o medo de sofrer algum prejuízo que afete sua fonte de renda da temporada. "Os militares são a autoridade, nós somos apenas civis voluntários. Se falarmos alguma coisa, podemos ficar fora da escala, isso nos deixa nessa posição de submissão."

Alguns casos de manifestações por parte dos voluntários já resultaram em afastamento do serviço. Durante a pandemia do Covid-19, em 2021, o atual presidente da Associação de Salvamento Aquático, Emílio Freire, foi afastado após denunciar precariedade nas condições de serviço. Ele recebeu um processo administrativo que o acusava de divulgar um vídeo fora de contexto com o intuito de prejudicar os colegas de serviço e manchar a imagem do Corpo de Bombeiros. “Fui usado de bode expiatório”, diz Emílio. “Como eu estava organizando as reivindicações, me culparam. Falei que não fui eu, mas diante das lentes dos militares isso não foi suficiente e fui excluído”.

Em Santa Catarina, a legislação que trata do recrutamento de guarda-vidas civis é a Lei Ordinária n.º 13.880, de 4 de dezembro de 2006, que autoriza a prestação de serviço voluntário de salvamento aquático, de maneira temporária. Voluntariado que, por definição, se caracteriza como atividade não remunerada prestada por um indivíduo.

De acordo com o artigo 3º da Lei n.º 9.608/1998, o prestador do serviço voluntário pode ser ressarcido pelas despesas que comprovadamente realizar no desempenho das atividades. Contudo, os guarda-vidas civis não precisam comprovar seus gastos diários, e o valor de ajuda de custo é fixo e recebido quinzenalmente, informa o major Della Giustina. Para alguns, o valor recebido, somado à carga horária de 12 horas diárias que dificulta a atuação em um emprego formal, é a única fonte de renda durante a alta temporada. “No primeiro dia é tranquilo, depois do terceiro o corpo começa a sentir”, contou Diego Engracía Dias. O major Marcelo Della Giustina argumenta que apesar disso, o ressarcimento não deve ser visto como um salário. “Isso aí é um problema que eles criaram para eles, não é problema do Estado. De forma alguma é fomentado que eles usem isso como profissão. Acontece que, por falta de outros serviços, eles acabam usando como profissão”, afirma.


Sem folga


A temporariedade do serviço também é um fator de preocupação. Devido ao aumento da demanda por guarda-vidas em praias durante o ano todo, é cada vez mais comum que a atuação se estenda para até depois da temporada de verão. Além disso, não há limite para o número de dias seguidos que um voluntário pode ser escalado para trabalhar. Muitos deles trocam seus dias de folga, pois veem a oportunidade de fazer mais dinheiro durante o verão. Um dos guarda-vidas que não quis se identificar relata que chegou a trabalhar 25 dias no mês, e teve seu nome na escala por 17 dias seguidos.


Praia da Joaquina | Foto: Maria Isabel Miranda



As condições de trabalho, ainda que complexas, não afugentam a maior parte dos voluntários, que possuem confiança e acreditam na diferença que seu trabalho faz. “Se falarem que não tem mais dinheiro, que agora é 100% voluntário e para trazer as suas coisas de casa, com certeza, algumas pessoas vão ficar, porque, como eu, acreditam no salvamento aquático”, disse um dos guarda-vidas ouvidos pela reportagem. Igualmente, eles frisam a importância do apoio da população para visibilizar a categoria e reforçam que os banhistas sigam suas orientações, mantendo uma relação de respeito e autoridade.






 
 
 

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